Antes de adentrarmos ao tema, preciso fazer algumas ressalvas terapêuticas, já que muitos pacientes se culpam por isso.
Alguns profissionais da saúde envergonham nossa classe. Acreditam que a causa da obesidade é apenas decorrente da ingestão excessiva de calorias ou da falta de atividade física, isso quando não consideram como falha do caráter, falta de força de vontade. Entretanto a ciência tem mostrado dia após dia que essa teoria é totalmente falha e é errado culparmos o paciente por ser portador de uma doença. Fatores que levam o paciente a ingerir mais calorias que o necessário, a fazer escolhas irracionais por alimentos hipercalóricos, ou ainda, fatores que promovem multiplicação das células de gordura (adipócitos) e redução do metabolismo, são apenas alguns dos perpetuadores da obesidade.
Mesmo com todo o conhecimento científico atual sobre mecanismos fisiopatológicos e retroalimentadores da obesidade, a doença continua a crescer de forma exponencial principalmente no mundo ocidental.
Segundo o Dr. Walmir Coutinho (endocrinologista e estudioso do tema) a escalada vertiginosa da obesidade em diversas populações levanta a questão de que alguns fatores estão levando a essa pandemia (Epidemia global). Considerando-se que o nosso código genético não pode ter sofrido mudanças importantes neste intervalo de poucas décadas, certamente os fatores ambientais devem explicar esta pandemia. Ou seja, a obesidade é uma doença crônica, recidivante (sem cura), com forte componente genético, multifatorial, altamente influenciável por fatores ambientais (ambiente obesogênico), culturais, sociais e econômicos.
O que é obesidade?
A grosso modo a conceituação mais simples seria: Quantidade de tecido adiposo acima do limite superior esperado para idade, estatura e raça. Ou seja, excesso de gordura.
Por que falar sobre o tema?
O Impacto da obesidade no mundo é gigantesco e os estudos epidemiológicos e econômicos ressaltam isso. Se para o leigo a importância é meramente estética, para quem estuda saúde pública, a preocupação é com as projeções futuras. Ou seja, é um grande problema de saúde pública no mundo.
O impacto ocorre não somente na saúde mental dos portadores, ou na homeostase orgânica, mas também existe um impacto arquitetural, piora da poluição ambiental (lixo, resíduos, agropecuária), econômico pelo absenteísmo ao trabalho e obviamente os impacto nos gastos com saúde, já que a obesidade é uma doença que se desdobra em inúmeras outras. Além disso a obesidade gera um impacto social/cultural pois fomenta a indústria bilionária da dieta e do comer transtornado.
Em 2017 a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou estudo na conceituada revista médica The Lancet mostrando que em 2016: 13% da população mundial acima 18 anos já estava com o Índice de massa corporal (IMC) acima de 30. 11% dos homens e 15% das mulheres. 18% na faixa etária de 5-18 anos tinham IMC acima de 30. Se comparados a 1975: 1% somente dessa faixa etária tinha IMC acima de 30. Já em 2016: 5% das meninas, 8% dos meninos apresentavam. Ou seja, aumentou bastante e é isso que nos preocupa. Não há perspectivas de melhoras. Para piorar a situação, o estudo evidenciou que os países mais pobres sofrem mais com a obesidade. A projeção para 2030 é que 57,8% da população mundial esteja com o IMC >30. Sendo que a maior prevalência está sendo em mulheres de baixa renda e quanto mais escolaridade menor a prevalência. Isso falamos globalmente e no Brasil, como é a situação?
Desde 2006 o Brasil faz um inquérito via telefone chamado Vigitel. Ele tem como objetivo fazer a vigilância de fatores de riscos e proteção para doenças crônicas, para com isso o governo federal em parceria com o ministério da saúde traçar as prioridades em saúde pública. Todos os anos é publicado o vigitel. O Slide acima eu apresento na minha aula do curso de Nutrologia básica para estudantes de medicina, a fim de alertá-los que o futuro parece ser sombrio. Na figura 4 podemos ver que em 2020, 22,6% das mulheres e 20,3% dos homens já apresentavam IMC >30 no Brasil. Em 2006 a porcentagem era de 12,1% para mulheres e 11,4% para homens. Mas por que estou frisando isso em um texto para leigos? Justamente para verem que o cenário tende a piorar, de 2006 para 2020 quase dobrou o número de portadores de obesidade no Brasil.
Medidas precisam ser tomadas e após mais de 15 anos estudando diariamente obesidade, atendendo milhares de portadores de obesidade eu acredito que a melhor estratégia é a educação nutricional desde a primeira infância.
Mas afinal, no que consiste emagrecer?
Emagrecer é perder gordura corporal e nem sempre isso reflete na queda do peso na balança. Por isso que a utilização de balanças, na atualidade, consideramos como algo ultrapassado. O paciente pode emagrecer e até mesmo ganhar peso na balança, pelo aumento da massa músculo-esquelética. Ganhar músculo e trocar massa magra por massa gorda pode ser emagrecer.
Como se diagnostica obesidade (excesso de tecido adiposo = gordura)?
A forma mais simples é através do índice de massa corporal (IMC) ou Índice de Quetelet, entretanto o mesmo apresenta algumas falhas (principalmente em quem tem muita massa muscular). Consiste em dividir o peso pela altura do paciente ao quadrado. De acordo com o valor encontrado classificamos na tabela abaixo. Importante salientar que no Idoso, acima de 27 já consideramos sobrepeso/obesidade.
Como o IMC é um método falho, existem outros métodos para quantificarmos o tecido adiposo. Outros métodos para diagnóstico são:
– Antropometria (medida de dobras cutâneas) e circunferências
– Bioimpedanciometria (Bioimpedância)
– Ultrassonografia
– Tomografia computadorizada com % de gordura visceral em L3
– DEXA (padrão-ouro)
– Pesagem hidrostática
– Ressonância nuclear magnética
– Pletismografia de deslocamento de ar
E como nós médicos classificamos a obesidade com relação à etiologia?
Podemos classificar a obesidade em:
– Obesidade somática: que consiste na obesidade decorrente de hábitos alimentares errôneos combinados com o sedentarismo.
– Obesidade sócio psicossomática: é a somática porém agravada por distúrbios psicológicos e sociais;
– Obesidade fármaco-induzida: é o aumento do peso que inicia após o paciente começar a utilizar fármacos sabidamente promotores de ganho de peso (aumento da fome ou redutores da saciedade), redutores do gasto energético ou favorecedores de acúmulo de gordura.
– Obesidade induzida por endocrinopatias ou doenças neurológicas tais como: Síndrome de Cushing, Lesões hipotalâmicas (centro da fome/saciedade).
– Obesidade induzida por programação metabólica: geralmente começa na gestação (período intra-útero) e pode ser agravada ou desencadeada nos primeiros 1000 dias de vida.
– Obesidade sindrômica: é um tipo de obesidade relacionada a síndrome genéticas que tem a obesidade como uma das características. Ex. Prader Willi, Bardet Biedl, Alstrõm.
– Obesidade genética: nesse tipo de obesidade ocorre ativação marcante de genes favorecedores de obesidade: FTO, MC4R, ou seja, o paciente apresenta alteração genética em genes que possuem correlação com a obesidade.
– Obesidade metabólica: é uma combinação de resistência insulínica e da obesidade
Na prática a maioria dos casos decorrem de uma interposição entre esses fatores. Talvez por isso o tratamento da obesidade seja tão difícil. São inúmeras as causas da obesidade, e se eu fosse citar todas as possíveis, esse texto teria pelo menos 30 páginas, já que a etiologia da obesidade é complexa, multifatorial, resultando da interação de genes, ambiente, estilos de vida, ingestão alimentar, prática de atividade física, combinados com fatores emocionais.
Mas o que ocorre no corpo que o tecido adiposo começa a aumentar?
Há componentes primários no sistema neuroendócrino envolvidos na gênese da obesidade:
Leptina e Grelina
Orexígenos centrais
Anorexígenos centrais
Núcleo da fome
Núcleo da saciedade
GLP1
Tecido adiposo
Insulina
Glucagon
Adiponectina
Toll like receptor 4
Alterações na produção de neurotransmissores
Citocinas pró-inflamatórias
Nomes difíceis não é? Se é complexo para o médico, quem dirá para o leigo. Centenas de substâncias interagem e podem influenciar no desenvolvimento e perpetuação da obesidade. É como se fosse uma grande fábrica que se auto-sustenta. O processo se retroalimenta.
Essas substâncias citadas influenciam outras substâncias e aí elas podem:
1) aumentar o seu apetite (aumentando o consumo de calorias),
2) reduzir o seu gasto energético (reduzindo o nosso metabolismo),
3) estimular maior estocagem de gordura dentro dos adipócitos,
4) inibir a lipólise (fenômeno bioquímico no qual ocorre a quebra da gordura que está dentro dos adipócitos),
5) interferir na β-oxidação (queima da gordura dentro da mitocôndria). Algumas dessas substâncias podem favorecer aumento do número de mitocôndrias, outras podem reduzir o número.
Essa complexidade toda nos mostra o porquê de ser tão difícil o processo de emagrecimento. Não é simplesmente falarmos para o paciente: treine mais e coma menos. Aquilo que é microscópico (ou seja, não vemos) nos faz acreditar que o processo se resume ao gaste mais e ingira menos. Mas quando adentramos ao estudo da fisiopatologia da doença, passamos a entender porque é tão complexo e complicado. O porquê de uma fatia de bolo muitas vezes ser irresistível, ou porquê do paciente mesmo comendo uma quantidade menor de calorias não consegue emagrecer.
Na fisiopatologia da obesidade temos um processo inflamatório gerado pelo tecido adiposo (ele é uma fábrica de produção de substâncias com ação pró-inflamatória) e isso favorece uma desregulação em uma região do nosso encéfalo chamada Hipotálamo. No Hipotálamos temos o núcleo da fome e também o núcleo da saciedade. Todo esse sistema se inter-relaciona e sofre uma desregulação.
O que dita o nosso metabolismo? O nosso balanço energético pode ser alterado por:
– Aumento do consumo calórico
– Diminuição do gasto energético total
– Ou por ambos, além de inúmeros outros fatores que estão relacionados à gene da obesidade. Mas a grosso modo falaremos sobre esses 2.
O aumento da ingestão de calorias pode ser avaliado por meio do preenchimento de um recordatório alimentar. Porém, a interpretação das informações precisa ser cuidadosamente analisada. Por isso em todos os pacientes eu peço recordatório alimentar funcional, criado por mim, olhando não só o aspecto quantitativo, qualitativo, mas também emocional e comportamental do paciente.
Já o gasto energético total (GET) gente estima da seguinte maneira:
– Que 60 a 70% venha do gasto energético basal ou Taxa Metabólica Masal (GEB/TMB): Ou seja, energia que o seu organismo gasta para manter-se vivo, fazer o coração bater, intestino funcionar, pulmões fazerem drogas gasosas. Esse valor dificilmente conseguimos alterá-lo, é meio que programado geneticamente. Inclusive temos polimorfismos genéticos que alteram essa TMB.
– 10% vem do que comemos e gera o Efeito Térmico dos Alimentos (ETA): ou seja, o que ingerimos produz calor corporal (energia). Se ingerimos mais proteínas esse ETA é maior.
– 20 a 30% vem decorrente do gasto de energia com atividade física e exercício físico. Mas qual a diferença entre os 2? A atividade física é a movimentação “involuntária”, como por exemplo: subir um lance de degraus, varrer a casa, arrumar a cama, guardar utensílios. Já o exercício é a movimentação do corpo de forma programada, repetitiva, como por exemplo: caminhada, bicicleta ergométrica, musculação. Ambas são componentes muito importantes no nosso gasto energético total. Nela podemos intervir.
Por isso deixo sempre claro para os meus pacientes que a o exercício físico favorece pouco a perda de peso, entretanto após uma perda de peso considerável, por ela fazer parte de 20 a 30% do GET, tem papel preponderante em evitar o reganho de peso. Alguns trabalhos mostram que o gasto decorrente da atividade física ao longo de um processo de perda de gordura vai diminuindo. Na prática vejo muito isso no consultório. O paciente persiste na prática de algum exercício, mas vai se movimentando cada vez menos ao longo do dia. Infelizmente temos que agir nessa parte e pedir que o paciente se movimente cada vez mais ao longo do dia, para reduzir esse impacto no GET. Também não é incomum que antes o paciente perdia 500kcal com algum treino, depois de perder um bom percentual de gordura corporal, o corpo se adapte e ele perca 250kcal ao invés de 500kcal, com isso precisamos aumentar a intensidade do exercício. Ou sejam mudamos o estímulo.
E o metabolismo lento, existe? Tenho Hipotireoidismo, vou engordar por isso?
Dúvida muito recorrente dos pacientes. É importante lembrar que existem doenças endócrinas que podem favorecer um alentecimento do metabolismo ou aumento do apetite. Assim como há medicações que também podem favorecer o ganho de gordura. Por exemplo as doenças descritas na tabela amarela. No caso do hipotireoidismo, apesar dele promover uma redução do metabolismo, ela é incapaz de favorecer um ganho considerável de peso. No máximo de 2 a 4kg e ainda assim é uma retenção de líquidos que ocorre quando os níveis de hormônios tireoideanos não estão adequados.
Para piorar a situação há diversos fatores emocionais que podem levar o indivíduo a comer sem estar necessariamente com fome (fome emocional), a reduzir a prática de atividade física, como por exemplo as doenças psiquiátricas citadas acima. Também temos inúmeras medicações que sabidamente podem promover ganho de peso.
Consequências da obesidade
A obesidade como citado acima, é uma doença que pode ser fator de risco para o desenvolvimento de outras. Nos slides abaixo cito as principais doenças correlacionadas com a obesidade. Importante salientar que quanto mais precocemente a obesidade surge e quanto mais tempo ela permanece no corpo do indivíduo, maiores os riscos dessas complicações. Mas também é importante salientar que perda de 5% do peso já melhora as complicações da obesidade, em especial a pressão arterial, e melhora dos exames bioquímicos (Ex. paciente pesava 100kg, perdeu 5kg = 5% de 100kg).
E como o nutrólogo vai me auxiliar a emagrecer?
Antes de tudo devemos saber quais as opções existentes para tratar a obesidade. E algumas particularidades desse tratamento. O tratamento da obesidade dependerá principalmente do IMC e da presença ou não de comorbidades. Um protocolo que utilizo tanto no consultório particular quanto no ambulatório de Nutrologia no SUS é o seguinte:
Se o paciente é portador de sobrepeso, ou seja IMC de 25 a 29,91 preconizo inicialmente:
1) Mudança no estilo de vida
2) Dieta
3) Atividade física (mexa-se mais) e exercício físico
Mas, se mesmo com tudo o paciente está estacionado no peso, ou seja, se é um caso já refratário a estas mudanças: avalio necessidade de medicação alopática ou fitoterápicos para redução da ansiedade (à luz da ciência nesse momento, não existe fitoterápico com ação antiobesidade). O que temos são fármacos que podem reduzir levemente a ansiedade do paciente ou fibras com leve capacidade de aumentar a saciedade do paciente.
Caso o paciente seja portador de obesidade grau I ou II, ou seja IMC de 30 a 39,9 preconizo inicialmente:
1) Mudança no estilo de vida
2) Dieta
3) Atividade física e exercício físico
4) Avalio a necessidade de medicação alopática, combinada com algum fitoterápico. Explico que os estudos mostram que melhores resultados são encontrados quando se utiliza fármacos antiobesidade, mas se o paciente não quiser utilizar, sugiro um teste sem. Experiência nesses 15 anos, a maioria dos portadores de obesidade grau I, em algum momento precisarão utilizar medicação alopática. Uma minoria infelizmente, consegue emagrecer e sustentar essa perda de peso sem utilizar os fármacos. Há os que conseguem? Sim, porém minha prática me mostra que é uma minoria e por isso muitas vezes não inicio com a medicação logo de cara. Nem a melhor das medicações consegue reverter hábitos de vida ruins. Alguns hábitos não são “medicalizáveis”.
Para os paciente portador de obesidade grau III (IMC >40), preconizo inicialmente:
1) Mudança no estilo de vida
2) Dieta
3) Atividade física e exercício físico
4) Utilização de medicação antiobesidade alopática, iniciando com uma medicação e orientando que talvez teremos que associar duas ou mais medicações.
5) Explico que talvez o tratamento possa progredir para a necessidade de uma cirurgia bariátrica.
Se continuar refratário ao longo de 6 meses: avalio a necessidade de cirurgia bariátrica independentemente do número de comorbidades.
O tratamento nutrológico que acredito que funciona
O foco do tratamento é fazer o paciente ganhar saúde (e consequentemente reduzir a quantidade de gordura) e como faremos traçaremos esse processo de ganho de saúde?
1) Antes de tudo precisamos saber o quanto há de gordura corporal no paciente, assim como devemos saber a quantidade de massa muscular. A quantificação disso é o primeiro passo. O reconhecimento da quantidade de excesso de peso. Terei músculo suficiente para me auxiliar nessa batalha?
2) Estimativa da taxa metabólica basal, sempre que possível, seja através de fórmulas como a de Harris Benedict, ou através de calorimetria indireta (infelizmente não fazem esse exame aqui em Joinville). Na calorimetria conseguimos saber qual a realmente taxa metabólica de repouso do paciente. Muitas vezes temos pacientes que mesmo ingerindo poucas calorias ao final do dia, não apresentam perda de peso. Com a calorimetria saberemos se dá para restringir mais.
3) Quantificação da ingestão calórica habitual do paciente e verificar se isso está tendo impacto no peso. Tem paciente que acha que está comendo pouco e quando fazemos a estimativa dessa ingestão ele se surpreende, então entende o porquê de estar ganho gordura ou de não estar conseguindo emagrecer.
4) Investigação da resposta do paciente ao exercício físico. Saber se o mesmo está treinando dentro de uma zona de queima de gordura, se o treino não está adaptado à necessidade do organismo para iniciar uma queima eficaz de gordura. Tem paciente que precisa progredir no estímulo, aumentar a intensidade do exercício para ter uma maior frequência cardíaca. Conseguimos isso através da ergoespirometria.
5) Buscando fatores higiênicos e de hábitos de vida que podem estar dificultando o processo de emagrecimento: Ex: uso de medicações, número de horas de sono, doenças não diagnosticadas, déficit de nutrientes, em especial: macronutrientes (proteína baixa na dieta), baixa ingestão de vitaminas e minerais que são co-fatoras para o metabolismo energético funcionar.
6) Detectando fatores emocionais ou ingestão de alimentos que podem ser gatilhos para aumento da ingestão alimentar. Aqui entra a atuação conjunta com o psicólogo. Se sabemos que é uma doença com fortíssimo componente emocional, a participação do psicólogo se torna fundamental no processo. Ele que te fará compreender melhor suas emoções e como elas podem ser gatilhos para sabotagem da dieta ou de outros processos de auto-sabotagem. O psicólogo também terá técnicas que te auxiliará vencer essas dificuldades. Já o nutricionista te auxiliará comigo a detectar quais alimentos são gatilhos para aumento da ingestão. Ex. são doces que te fazem sabotar a sua dieta? É o álcool que você bebe aos finais de semana que te faz querer comer alimentos hiperpalatáveis (na maioria das vezes mais gordurosos) e com isso “chutar o pau da barra” de sexta a domingo.
7) Conscientizando o paciente que invariavelmente ele entrará um estágio de platô (estagnação da perda de peso) e que nessa hora tomamos algumas condutas para reverter esse quadro. Ao longo desses 15 anos vi pacientes botarem tudo a perder quanto alcançam o platô. É nessa hora que pego na mão do paciente e falo: bora? Estou aqui pra gente vencer esse obstáculo. Há ferramentas? Sim. Mas teremos que bailar, trocar de dieta, trocar o estímulo do treino, rever um check list.
8) Frisando para o paciente que: Uma vez portando obesidade, sempre portará obesidade, por mais que o percentual de gordura esteja normal. Célula de gordura não morre, apenas “esvazia”. Quando a gente conscientiza o paciente da dificuldade, ele já entra no processo menos iludido.
A perda de peso é importante para se ganhar saúde, não para “perder” gordura. Os estudos mostram que perdas de 5 a 10% geralmente já promovem significativa melhora metabólica e provavelmente perdas acima de 10% sendo suficientes para reduzir a mortalidade dos obesos.
Priorização do ganho de vida
Por mais que o paciente deseje a perda ponderal, no quadro de obesidade o tratamento não deve ser focado inicialmente nisso. A prioridade deve ser SEMPRE:
1) O ganho de saúde.
2) Melhora da disposição, da flexibilidade e consequentemente redução de dores artriculares/musculares.
3) Redução do risco de desenvolver ou agravar doenças como diabetes, hipertensão, dislipidemias, esteatose hepática, artrose, depressão, gota.
4) Maior interação social e menor inibição.
5) Melhorar a execução de atividades de vida diária mas que a obesidade pode atrapalhar, por uma pior capacidade cardiopulmonar.
6) Desenvolvimento de prazeres não relacionados à alimentação. Muitas vezes o paciente sequer conhece outros prazeres, estando focado somente no prazer desencadeado pela comida.
Pensando assim, o paciente tende a aprender a valorizar o processo e as pequenas conquistas. Isso é terapêutico. Sendo assim, o emagrecimento se torna secundário. Porém, na maioria das vezes o paciente age de forma imediatista e desiste logo nos primeiros obstáculos. Muitas vezes quer milagres, fórmulas mágicas que não existem. Acreditam que aparecerá um profissional expert que vende um método infalível de emagrecimento. Há 15 anos vejo isso ocorrendo.
Deixa para trás antigos hábitos e optando por um novo estilo de vida
Na Medicina hoje temos um conceito criado pelo Institute of Lifestyle Medicine da Escola Médica de Harvard em Boston, nos EUA. O termo Medicina de Estilo de Vida, do inglês “Lifestyle Medicine”, faz referência a uma prática clínica multiprofissional, que visa a promoção e manutenção de hábitos de vida saudáveis e consequente redução das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), principalmente obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, doença pulmonar crônica e diferentes tipos de câncer.
Dentre várias definições se destaca aquela do Colégio Americano de Medicina de Estilo de Vida (American College of Lifestyle Medicine): ”É o uso terapêutico de intervenções de estilo de vida baseadas em evidências para tratar e prevenir doenças relacionadas ao estilo de vida em um cenário clínico. Ela capacita os indivíduos com o conhecimento e as habilidades de vida para fazerem mudanças de comportamento eficazes, que abordem as causas subjacentes da doença”.
E quais são as mudanças no estilo de vida que devem ser adotadas no tratamento da obesidade?
E qual a melhor dieta para emagrecer?
Estudos recentes (meta-análises publicadas em 2017/2018) mostraram que em uma comparação entre dietas, o que define o sucesso de uma dieta sobre a outra é a adesão e não existe uma dieta claramente superior à outra. E que, do ponto de vista puramente da perda de peso, o que determina uma maior ou menor perda de peso é a restrição de calorias, entretanto na minha opinião a distribuição de macronutrientes (gorduras, carboidratos e proteínas) pode influenciar na velocidade da perda de peso.
Dietas muito restritivas tem baixíssima adesão a longo prazo e devemos deixar isso claro para o paciente, pois na empolgação do início do tratamento, acreditam piamente que conseguirão levar aquele “estilo de vida” por vários meses. Além disso, indivíduos com predisposição, quando expostos a dieta altamente restritivas, podem desencadear transtornos psiquiátricos, em especial compulsão alimentar. Atenção: nem toda restrição leva à compulsão.
Na prática qual dieta eu como nutrólogo escolho?
Eu não escolho é nada. Quem escolhe é o paciente, em meio ao arsenal de dietas que apresento e explico os prós e contras delas. Afinal quem terá que aderir à dieta é o paciente. Eu não posso segui-la por ele, nada mais justo ele escolher o tipo de dieta e o meu nutricionista adaptá-la para o paciente.
Por que faço assim? Porque é assim que tenho visto funcionar melhor. O paciente lendo em casa sobre cada uma das dietas e na consulta de retorno traçarmos a melhor estratégia nutricional para o paciente. Posteriormente ele ficará cara a cara com o meu nutricionista e montarão a dieta juntos, negociando item por item. Acho um verdadeiro absurdo elaborar um plano alimentar longe do paciente, sem negociar os itens que vão compor a dieta. A elaboração frente a frente é acima de tudo terapêutica, pois ali o nutricionista pode ir explicando a importância de cada nutriente que está sendo inserido no plano. O porquê de se inserir naquela horário. O que esperar daquele plano.
10 Regras de ouro no meu tratamento dietético
Regra 1: Dieta se monta cara a cara e entrega na hora.
Regra 2: É o nutricionista que deve se adaptar ao paciente e não o contrário. Ou seja, faz parte do processo o nutricionista conhecer a rotina do paciente, hábitos de vida, onde acontece as refeições, nível de conhecimento culinário, disponibilidade de tempo para comprar alimentos, para preparar alimentos e tempo disponível para ingerir o alimento. Nível de interação social. O quanto é importante a alimentação no contexto familiar. Saber se membros da família/amigos estão dispostos a auxiliar o paciente ou se o paciente acredita que isso será um obstáculo.
Regra 3: É dever do nutricionista ensinar o paciente a ter autonomia alimentar.
Regra 4: O nutricionista deve conhecer a realidade econômica e cultural desse paciente. Ao longo dos anos cansei de ouvir paciente reclamando de dietas caras. Dietas com alimentos que não fazem parte da cultura do paciente ou de difícil acesso.
Regra 5: Toda restrição/redução de alimentos deve ser justificada para o paciente. Restrição desnecessária configura iatrogenia.
Regra 6: A melhor dieta é aquela que o paciente consegue ter adesão.
Regra 7: Deixar claro que a dieta deverá ser mudada ao longo do processo e que talvez em alguns momentos o paciente precisará por intervalo de 1 a 2 meses seguir alguma dieta um pouco menos flexível.
Regra 8: O paciente deve entender que o nutricionista é um profissional da saúde capacitado para prescrever um plano alimentar e não para ser um julgador/censurador/recriminador. Ele não é um juiz. Ele também não é pai/mãe. Ele apenas dá as coordenadas e cabe ao paciente tentar seguir. Foi difícil? Compartilhe conosco. Está enfrentando alguns obstáculos? Compartilhe conosco.
Regra 9: A monotonia alimentar pode acontecer e você deve ter liberdade comigo e com o nutricionista para falar se está achando a dieta monótona ou não.
Regra 10: Paladar é treinável. Tem coisas que temos ojeriza e não comemos de forma nenhuma. Outras podemos nos dar a chance de aprender a comer. Vegetais é questão de preparação. Cansei de escutar pacientes falando que detestavam salada e quando a gente explorava os sentidos, acrescentando texturas, picância, crocância ou cremosidade o paciente aprendia a gostar. Muitas vezes o paciente tem um paladar infantilizado e o processo de reconstrução será longo. É difícil? Sim, mas não é impossível. Apenas esteja aberto a novidades.
Particularidades do processo de emagrecimento
Como a Obesidade é uma doença doença crônica, o tratamento deve ser crônico e esforços devem ser empreendidos na manutenção do peso perdido e não só na perda.
O corpo tem mecanismos adaptativos para promover recuperação de todo o peso eliminado durante o tratamento. Portanto o respeito à fase de manutenção é imprescindível: para cada quilo de peso eliminado, deve-se ficar 1 mês na manutenção.
Existe uma teoria chamada Set Point, na qual uma vez que o organismo atingiu determinado IMC, o organismo sofre uma desregulação hipotalâmica e com isso o corpo tenderá sempre a voltar para o máximo peso já alcançado. Sendo assim, a vigilância será até o seu último dia de vida. Precisamos ser realistas com o paciente.
A prática de atividade física não consegue compensar a ingestão calórica excessiva. Além disso a prática mesmo regular de atividade física é pouco eficaz na queima de gordura. Entretanto os benefícios promovidos pelo exercício físico potencializam muito o tratamento de emagrecimento. E o mais importante, a manutenção da prática regular auxilia eficazmente no combate ao reganho de peso. Em documento recente (2018) a Endocrine Society afirmou: “A importância do exercício físico, mais como método eficaz em melhorar de composição corporal e manutenção de peso perdido, do que como método para emagrecimento em si”.
No mesmo documento a Endocrine Society afirma no parecer que as medicações anti-obesidade, ainda são mal faladas e estigmatizadas, principalmente por profissionais da área da saúde. Inúmeras medicações foram proibidas no passado devido ao baixo nível de segurança, entretanto na atualidade as medicações aprovadas têm estudos de segurança e eficácia bons e sem dúvida são opções viáveis para o correto tratamento da obesidade em muitos casos. Importante ressaltar esse ponto, pois ainda vemos muitos médicos e nutricionistas, na grande maioria das vezes com desconhecimento, criticando medicações, sem ao menos terem lido um único estudo a respeito do potencial das mesmas em otimizar o resultado de uma mudança de estilo de vida, aumentando o peso perdido e o número de respondedores.
Não são todos os pacientes que respondem bem a todas as medicações, além disso o perfil de efeitos colaterais também é bem individual e variável. Termos várias opções para o tratamento, aumenta a chance de encontrar a certa para cada paciente.
Atividade física e exercício físico no tratamento da obesidade e sobrepeso
Primeiramente devemos diferenciar atividade física de exercício físico. A atividade física é a movimentação “involuntária”, como por exemplo: subir um lance de degraus, varrer a casa, arrumar a cama, guardar utensílios.
Já o exercício físico é quando a atividade física é planejada e estruturada com o objetivo de melhorar ou manter os componentes físicos, como a estrutura muscular, a flexibilidade e o equilíbrio. Nesse caso, ele geralmente é orientado por um profissional de educação física.
Ou seja, praticar diariamente, se possível até finais de semana, mesmo que seja alguma atividade leve. Mas lembre-se: mexa-se com um propósito. Ambas são componentes muito importantes no nosso gasto energético total.
A maioria dos pacientes confundem exercício físico e atividade física. Todo exercício físico (EF) é uma atividade física, mas nem toda atividade física é um exercício físico.
Relação do paciente com o EF
Sempre gosto de perguntar para os pacientes, o que o EF significa para eles, as respostas são inúmeras:
Insegurança, Constrangimento, Animação, Aumento da força, Diversão, Aumento do vigor, Desmotivação, Melhora do fôlego, Falta de fôlego, Independência. Preguiça. Aumento da disposição, Alívio, Paz, Satisfação, Dor. Ou seja, cada um tem uma relação com o EF. Mas o fato é que há inúmeros motivos para a prática de EF e que não são relacionados ao emagrecimento. Evito associar o EF ao emagrecimento para o processo ser menos doloroso e o paciente criar uma boa relação com o EX.
20 motivos para você praticar exercícios.
1) Seu corpo nasceu para se mover, isso é inato à natureza humana
2) Sentir a sensação de bem-estar, vigor e saúde
3) Permitir que o coração bata mais rapidamente e com isso fortaleça
4) Proporcionar um ato de autocuidado, carinho e respeito pelo próprio corpo
5) Permitir-se ter um momento do dia para cuidar de si
6) Diversão, respirar e fazer fluir a sua energia vital
7) Preservar seus músculos, ossos, ligamentos, capacidade cognitiva, memória, melhora do humor.
8) Dentre as vantagens da do exercício físico temos:
9) Liberação de neurotransmissores (destacam-se a noradrenalina, dopamina, serotonina) e endorfinas;
10) Produção de agentes protetores do sistema nervoso como o IGF-1;
11) Aumento do irrigação do cérebro (prevenção AVC e Alzheimer);
12) Melhora da memória, cognição, aprendizado e velocidade do pensamento;
13) Melhora da nutrição e aporte energético para o sistema nervoso;
14) Melhora do humor;
15) Prevenção e tratamento para ansiedade e depressão;
16) Aumenta a produção de antioxidantes endógenos, reduzindo nossa carga de radicais livres;
17) Reduz a pressão arterial;
18) Reduz o risco de desenvolver diabetes e alguns tipos de câncer;
19) Não emagrece (quando feito em muito leve intensidade) mas evita o reganho do peso eliminado;
20) Pode aumentar ou apetite em alguns indivíduos mas na maioria dos casos reduz, graças a ação da beta-endorfina.
Devemos estimular ambos mas deixando o paciente ciente que tanto a AF quanto o EF auxiliarão pouco a induzir perda de peso. Ajudam? Sim, mas pouco. A dieta é fator determinante.
E qual a mais eficaz para emagrecer?
É uma das perguntas mais comuns que ouvimos no consultório. Brinco que a resposta pode ser dada em dois mundos.
No mundo ideal a resposta é: vai depender se tem alguma limitação ou doença de base (ex. diabéticos devem obrigatoriamente fazer musculação para melhorar a captação da glicose pelo músculo).
Mas mesmo com todas as individualizações no mundo ideal, corremos o risco de ter que trocar a atividade física no futuro, já que cada indivíduo responde de uma forma a um estímulo. Ou seja, se para uns o aeróbico é mais eficiente para perda de gordura, para outros a musculação é melhor. Resumindo: no mundo ideal não existe regra do que é melhor ou pior no processo de emagrecimento. A literatura mostra que a combinação de exercício aeróbico combinado com treinamento de força (exercício resistido = musculação) é a combinação mais eficaz, mas e se o paciente não gosta? E se o paciente não vê resultado com essa combinação? Entendem a complexidade?
No mundo real: a que vai ajudar o paciente a emagrecer é a que ele menos odeia. Ao longo dos anos percebi que tirar um paciente do sedentarismo é complicado. Então aqui entra política de redução de dano. O que é melhor: deixar o paciente sedentário ou pedir pra ele fazer o que ele menos odeia? Obviamente, qualquer coisa é melhor que o sedentarismo. Então um passo de cada vez. Dica prática para quem quer sair do sedentarismo.
– Caminhada em ambientes agradáveis: não invente de subir o Mirante de Joinville estando destreinado!
– Pedaladas com bicicleta em terreno plano e ambiente seguro
– Treinamento on-line em casa
– Dança afinal estamos na capital nacional da dança
– Pilates
– Subir escadas
Doutor, mas eu faço tudo certinho, uso medicação e não elimino gordura
Raríssimos casos essa pergunta fica sem resposta. Eu em parceria com uma amiga endocrinologista e com um amigo médico do esporte elaborados um check-list para verificar se o paciente realmente está fazendo tudo corretamente. Baseado nesse check-list tomamos condutas individualmente.
Farmacoterapia antiobesidade
Uma dúvida frequente dos pacientes é com relação ao tratamento medicamentoso da obesidade. Afinal em um mundo ignorante como o nosso, há diversos profissionais da área da saúde que divulgam inverdades sobre a farmacoterapia antiobesidade.
É possível emagrecer sem medicação?
Sim, é possível, mas são poucos casos (sim, em um universo com milhões de obesos em todo o mundo) os casos de sucesso e com manutenção do peso perdido a longo prazo são raros. Nesses quase 5 anos a frente do ambulatório de Nutrologia do SUS e atendendo cerca de 70 pacientes obesos por semana (cerca de 280 por mês), posso afirmar que tenho experiência no tratamento da obesidade e sobrepeso.
E o que tenho visto nesses anos é que a taxa de sucesso terapêutico no tratamento da obesidade é muito baixa, quando se utiliza apenas o combo “dieta e atividade física”. Isso funciona bem para aqueles que estão em sobrepeso ou que ganharam peso recentemente. Para a maioria dos casos de Obesidade, a dupla Dieta + Atividade física não consegue promover perda de peso considerável e muitas vezes nem a manutenção sustentada da perda de peso.
Medicações possuem efeitos colaterais e se dependesse de mim, nenhum paciente as utilizariam. Aliás, por anos “olhei torto” para a farmacoterapia antiobesidade. Quando você começa a tratar um grande volume de pacientes e vê que os que melhor respondem são os que adotam a tétrade:
1) Dieta +
2) Atividade física +
3) Medicação +
4) Psicoterapia
Aí o preconceito com as medicações subitamente desaparece. E esse preconceito vem da errônea visão sobre o que desencadeia a obesidade. Como se fosse um desvio de caráter, preguiça, falta de força de vontade. A própria classe médica tem preconceito com o paciente portador de obesidade e/ou com po tratamento antiobesidade. É mais fácil culpar o doente pela sua doença. Absurdo isso, mas é a realidade mundial. A gordofobia é altamente prevalente na área da saúde, em especial por parte de médicos, enfermeiros, nutricionistas e profissionais da educação física.
Mas afinal, qual o real benefício e impacto de uma medicação para tratamento da obesidade?
Segundo o prof. Dr. Bruno Halpern (médico endocrinologista e estudioso da doença), para uma medicação ser aprovada pelo FDA (Agência reguladora americana), uma medicação, além de demonstrar segurança, deve também em estudos clínicos:
1) Atingir uma perda de peso maior do que 5% em relação ao grupo placebo (ou seja, grupo que não usa a medicação), ou que 2) Ao menos 35% dos pacientes atinjam uma perda mínima de 5% do peso (ou que seja o dobro do grupo placebo).
Mas isso não é muito pouco, dirão alguns?
Para a maioria das pessoas que buscam perda de peso, perdas ao redor de 5-10% do peso são sim pequenas e podem decepcionar à primeira vista, mas devemos levar alguns pontos em consideração. As afirmações abaixo foram retiradas de um texto desabafo do Dr. Bruno Halpern em seu facebook, após um profissional da educação física (com grande números de seguidores) alegar que a perda de peso promovida pela Liraglutida (medicação para tratamento de diabetes e obesidade) era ínfima, não justificando o seu uso. Considerações importantes:
1 – A média de perda de peso com dieta e exercício, em estudos bem feitos, em que houve um controle enorme por parte dos profissionais de saúde para garantir adesão é ao redor de 3 kgs. Entre os respondedores, apenas 10% das pessoas conseguem perder ao menos 10% do peso e manter no longo prazo. Portanto, simplesmente dizer “é fácil, é só fazer dieta e exercício e pronto” não se baseia em nenhum estudo de evidência e todo mundo que trata pacientes obesos sabe disso. As afirmações são baseadas em meta-análises feitas sobre eficácia de atividade física e dieta no tratamento da obesidade. Nada do que foi afirmado acima é achismo e sim achados de estudos científicos bem conduzidos.
2 – O tratamento não é “só” medicação – todos esses estudos, tanto o grupo que toma a medicação, como o grupo placebo, fazem modificação de estilo de vida, portanto não é medicação versus dieta e exercício e sim uma soma. Assim, o grupo placebo muitas vezes perde sim um pouco de peso, fazendo com que, embora a diferença possa ser na casa de 5%, o grupo que tomou remédio perdeu mais evidentemente.
3 – A “média” é um conceito falho, pois engloba pacientes que: Não perderam absolutamente nada,
Com pacientes que usaram a medicação por poucos dias e pararam (seja por efeito colateral, ou porque simplesmente abandonaram o tratamento, que é comum em obesidade, infelizmente),
Com aqueles que conseguiram perdas maiores, que são chamados os respondedores. Os que não perdem nada, param o uso da medicação e tentam outras opções, reservando o uso a longo prazo àqueles que conseguem mantê-la.
Aqui vemos uma individualidade do tratamento. O arsenal farmacológico para tratamento da obesidade apesar de pequeno, possui medicações com mecanismos de ação diferentes e que podem se enquadrar no perfil do paciente. O que serve para um, não serve para outro. Isso é muito comum no ambulatório.
Outro ponto interessante nos estudos é justamente essa heterogeneidade de participantes dos estudos. No resultado final se aloca todos que participaram e quantifica-se uma média de perda de peso. Vários pacientes perdem mais que 30% do peso inicial, assim como vários perdem 20% e outros apenas 5%.
4 – Perdas de peso na casa dos 5-7% já são suficientes para melhorar muitos fatores de risco associados à obesidade como hipertensão, apnéia do sono, hipercolesterolemia. Cada kg de peso reduz o risco de desenvolvimento de diabetes em 17%. Perdas acima de 10% podem estar associadas a redução de mortalidade e acima de 15% são suficientes para causar redução importante de inflamação, que é um fator de risco enorme para doenças cardíacas, segundo Dr. Bruno Halpern. Ou seja, analisando os bons respondedores, podemos ter pacientes que se beneficiam muito, mesmo com perda ponderal considerada por alguns como ínfima. Na prática o que se vê no retorno dos pacientes, é que mesmo com perdas de 5% eles mostram contentamento com os resultados e relatam melhora em sintomas inespecíficos, tais como: melhora do sono, mais disposição, menos sonolência diurna, maior tolerabilidade aos exercícios, melhora do humor, redução de dores articulares, melhora da autoestima. Ou seja, externalizam isso quando questionados: – O que mudou na sua vida após esses kilos perdidos?
5 – Para o Dr. Bruno Halpern, uma outra maneira de analisar a eficácia das medicações é observando qual a chance de um paciente atingir um determinado porcentual de perda de peso com a medicação e dieta versus só a dieta. Temos muitas medicações, mas um número que vemos em algumas (como a liraglutida, que nos estudos sempre faz essa análise) é ao redor de 3. Ou seja, uma pessoa, engajando em um programa de perda de peso completo tem 3 vezes mais chance de atingir um resultado significativo com o remédio do que sem ele. Isso garante 100% de certeza? Não, longe disso. Mas pode modificar a vida de muitas pessoas.
Ou seja, medicações não são milagres, com objetivo de “secar” as pessoas para o verão. São opções com limitações, mas que podem ajudar muito a vida de pacientes que sofrem com obesidade, que é tão difícil de tratar e tão estigmatizada na sociedade.
Dr. Bruno Halpern também afirma que a escolha da medicação leva em conta diversas características do paciente, assim como contraindicações. Nem todos podem usar todas as medicações, e é função de um profissional médico sério escolher as opções baseado em tudo isso, e saber reavaliar o paciente para trocar, se assim for necessário.
Além disso, as medicações aprovadas para tratamento da obesidade e vendidas em farmácia (no Brasil temos sibutramina, liraglutida e orlistate, e a Bupropiona com naltrexona) passaram por crivo de estudos de segurança, e podem ser usadas no longo prazo (embora a sibutramina seja contraindicada em quem tem doença cardiovascular prévia, por poder aumentar ligeiramente a pressão, principalmente nos que perdem pouco peso com ela).
A liraglutida possui estudos de segurança em população diabética de alto risco e mostrou não só segurança, como redução de eventos cardiovasculares nessa população. E uma análise de estudos para obesidade sugere (embora não seja um dado definitivo), que o mesmo ocorra em não diabéticos.
Hoje na Nutrologia e na Endocrinologia já se sabe que a obesidade é doença crônica e o tratamento seja qual ele for (remédios, dieta, exercício, psicoterapia) deve ser crônico também, pois, como sempre digo, manter o peso é como andar numa escada rolante ao contrário, sempre reforçando a importância da dieta, exercício, vigilância e aprendizado de hábitos saudáveis.
Abaixo dois slides que apresento em minhas aulas, com as opções terapêuticas disponíveis on-label (em bula) e off-label no Brasil.
Tratamento invasivos (cirúrgicos ou não)
A última alternativa no tratamento da obesidade deve ser a cirurgia bariátrica. Última alternativa porém o paciente não poderá confiar apenas na cirurgia. Ao longo desses anos atendi centenas de pacientes que se submeteram a cirurgia e depois recuperam quase todo o peso perdido.
As opções terapêuticas para casos refratários ao tratamento medicamentoso+dieta+exercício+psicoterapia são:
1) Cirurgia bariátrica:
a) Técnica Sleeve ou gastroplastia vertical
b) Técnica Bypass em Y de roux
c) Outras técnicas: Banda gástrica, Scopinaro
2) Balão intragástrico
Não adentrarei ao balão intragástrico pois, na minha experiência vi pouquíssimas vezes resultados positivos. Então entre indicar que o paciente coloque um balão ou faça uma cirurgia bariátrica, opto pela cirurgia bariátrica. A literatura mostra superioridade.
E quais são os pré-requisitos para o paciente poder ser submetido à cirurgia bariátrica?
– IMC > 40 com falha de tratamento clinico por 2 anos
– IMC > 35 com comorbidades e falha do tratamento clínico por 2 anos
– Ter mais de 16 anos
– Excluir doença endócrina como causa da obesidade
– Ter capacidade intelectual e suporte familiar e compromisso com o tratamento
– Ter condições financeiras para comprar os suplementos por toda a vida
Existem contraindicações para a cirurgia bariátrica? Sim, porém na literatura há algumas controversas. Eu, particularmente não indico nesses casos.
1) Alcoolismo não tratado
2) Dependência química não tratada
3) Transtorno psiquiátrico grave (contraindicação relativa)
4) Tentativa de suicídio recente (relativa)
Algumas situações são de alerta e devemos ter cuidado ao indicar a cirurgia para esses pacientes:
Pacientes com insuficiência renal crônica, doenças no fígado crônicas, hipertensão portal com varizes no esôfago e doenças inflamatórias intestinais como Crohn ou retocolite ulcerativa.
E quais os 2 tipos de cirurgia bariátrica mais comumente feitas no Brasil ?
Autor: Dr. Frederico Lobo – Médico Nutrólogo – CRM-SC 32.949 | RQE 22.416