Há tempos quero falar sobre esse tema, porém, por se tratar de algo polêmico e que muitas vezes pode ser mal interpretado, relutei em escrever.
Venho de uma família com 34 médicos, minha mãe tem 5 irmãos e 4 são médicos. Meu pai era médico reumatologista. Tenho tios, primos e até sobrinhos que já são médicos. Cresci nesse meio e ao longo dos anos fui observando a percepção sobre a Medicina mudando.
Meu pai fez faculdade na UFRN, depois residência de clínica médica e reumatologia na UFRJ, na década de 70. A visão que ele tinha era de que a Medicina deveria ser um sacerdócio. A maioria dos meus tios cursaram Medicina na década de 80/90 e a visão de sacerdócio já começou a mudar, afinal, precisamos pagar as contas, ou seja, viver a vida, ou sobreviver.
Eu e minha geração de primos cursamos Medicina no começo dos anos 2000 (formei em janeiro de 2008). A visão de sacerdócio ficou para trás, na verdade, aqueles que assim enxergam a Medicina, são vistos como utópicos e até mesmo alienados. Minha geração é a a geração da Medicina baseada em evidência. Uma geração que começou a ver uma quantidade grande de médicos adentrando ao mercado. Além disso começamos a falar de judicialização médica.
As próximas gerações ainda estamos analisando, mas o panorama não é nada agradável. Porém, só o tempo dirá. Serão médicos com outros ideais, ambições, outros valores. O quão negativo ou positivo isso será, só o tempo nos mostrará.
Mas o que TODAS essas gerações tem em comum? O objetivo final da Medicina é o bem-estar do paciente. É sanar ou aliviar o sintoma. É prevenir quando possível. E se tudo isso ocorre em prol do paciente, ele tem papel central na nossa formação.
Só somos médicos, porque um dia, alguém se dispôs a permitir que fizéssemos perguntas, examinássemos, sugeríssemos hipóteses diagnósticas para os nossos professores e por fim nossos mestres tomavam condutas. Para beneficiar o paciente.
Na maioria das vezes, na verdade, na grande maioria das vezes, esse paciente era/é alguém que depende do Sistema único de saúde. Alguém sem muitas posses, condições financeiras para pagar um plano de saúde. E aqui chego no ponto chave. Sem esse tipo de paciente, sequer teríamos formados.
Gratidão a todos que passaram pelo meu caminho e em um momento difícil das suas vidas, permitiu que um pós-adolescente fizesse perguntas “sem nexo”, examinasse seus corpos com alguns instrumentos e depois repassasse aquilo para um professor diante de outros acadêmicos.
Aqui entra a questão da responsabilidade social. Tema espinhoso para os médicos da minha geração e que provavelmente será ignorado pelas próximas gerações. Aqui a questão é moral. A questão é o dever de gratidão a quem nos ajudou a estar aqui.
Não tenho a intenção de querer falar que médicos devam doar parte do seu tempo para pessoas mais carentes. Cada um sabe onde o calo aperta.
O intuito é despertar a seguinte pergunta: Eu seria o médico(a) que sou hoje se não fossem os pacientes do SUS? Como retribuir isso?
Anos atrás assisti à uma reportagem com o Senador Cristovam Buarque (DF) na qual ele falava que os médicos formados em universidades públicas deveriam ficar um período trabalhando no SUS, após formarem. Muitos abominam essa ideia mas é algo a se pensar.
Como retribuir aqueles que tanto nos deram?
Hoje, vou na contramão do que minha família defende e acho que TODO médico tem que ter a sua contribuição social, seja atendendo no SUS ou de forma filantrópica. Se os médicos valorizassem mais o SUS, provavelmente teríamos um SUS ainda melhor. Mas muitos preferem enxergar a Medicina como um comércio, focando apenas no lucro e esquecem da nossa responsabilidade social.
Espero que as próximas gerações tenham um despertar na consciência e abram os horizontes para a forma de enxergar a Medicina.
Autor: Dr. Frederico Lobo – Médico NutrólogoCRM-GO 13.192 | RQE 11.915 / CRM-SC 32.949 | RQE 22.416