A nutrologia/nutrição está em constante evolução, sendo necessária uma busca contínua por novos dados, especialmente que nos respaldem com relação ao manejo diagnóstico e terapêutico da vitamina D.
Na última década, um interesse especial vem sendo notado em relação à deficiência de vitamina D em razão de sua alta prevalência e correlação com aumento de mortalidade geral, incluindo pacientes com câncer e diabetes e à sua associação com diversas doenças além do contexto ósseo, como obesidade, síndrome metabólica, função muscular, não só em idosos (sarcopenia), como em jovens e atletas de alto rendimento, doenças relacionadas a autoimunidade, câncer, asma, fertilidade e gravidez/lactação, por exemplo.
Recentemente a Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN) publicou um Consenso sobre Vitamina D, porém há outros guidelines que norteiam a prática clínica dos médicos brasileiros e nutricionistas.
Inúmeras são as funções da Vitamina D em nosso corpo, mas poucos estudos mostram benefícios além da saúde óssea. É um pró-hormônio, produzido a partir da ação dos raios UVB sobre a nossa pele. Também pode ser encontrada em alimentos como óleos de salmão, atum e sardinha, gema de ovo, fígado, leite, iogurte e queijos, porém em quantidade pequena.
Função: É fundamental na homeostase do cálcio e fósforo e, logo, na saúde óssea. Seus baixos níveis no sangue estão associados ao aumento de quedas, fraturas e mortalidade geral.
Na maioria dos casos os pacientes podem ser assintomáticos ou seja, não sentirem nada. Quando os sintomas aparecem é importante ficar atento à fadiga, fraqueza muscular e dor crônica.
Com isso, muitos nos perguntam: qual o nível ideal de vitamina D? A resposta não é tão simples quanto se parece e muito menos existe consenso na literatura sobre isso.
Há muita informação equivocada na internet e com isso os pacientes acabam se autosuplementando, o que é um grande risco.
Há 15 anos pouco se sabia sobre os efeitos extra-ósseos da vitamina D. Portanto o recomendado era que o valor da 25-OH-Vitamina D ficasse acima de 30ng/ml.
Recentemente a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) publicou em seu site a mudança do valor de referência. Segundo a nota, até então o valor normal era acima de 30 ng/m, mas agora estão sendo aceitos valores a partir de 20 ng/mL. No mesmo comunicado dosagens de 20 a 30 ng/mL não necessitam de reposição da vitamina.
O Departamento de Metabolismo Ósseo e Mineral da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, em uma nota no site, informou que os valores de normalidade da Vitamina D vêm sendo discutidos há algum tempo pelas Sociedades. Esse valor de referência de 30 ng/mL havia sido proposto pela Endocrine Society.
O posicionamento do Departamento após a alteração é de que:
O que nós seguimos: A recomendação da ABRAN, no qual o seu consenso foi elaborado por um grupo de especialistas da própria sociedade.
Em 2020 publicaram uma nova diretriz com base em uma revisão extensa e crítica da literatura atual, em relação ao manejo diagnóstico, preventivo e terapêutico acerca da deficiência e do uso da vitamina D na prática clínica. Que pode ser acessado em:
https://www.researchgate.net/publication/341036176_Posicionamento_atual_sobre_vitamina_D_na_pratica_clinica_Posicionamento_da_Associacao_Brasileira_de_Nutrologia_Abran/fulltext/5eaa51e545851592d6abc3e6/Posicionamento-atual-sobre-vitamina-D-na-pratica-clinica-Posicionamento-da-Associacao-Brasileira-de-Nutrologia-Abran.pdf
Segundo a revisão da ABRAN, McKenna et al, corroborados por Pedrosa et al, consideraram, para umaexcelente função neuromuscular, níveis de 25-OH-Vit D > 40ng/mL como ótimos/desejáveis.
Mas devemos ficar atento aos grupos de risco para déficit de vitamina D. O rastreio deve ser feito principalmente neles e não de forma universal.
Desde 2007, após a publicação de Holick (um dos maiores pesquisadores de vitamina D do mundo), consideravam-se como deficiência níveis séricos de 25-OH-Vit D < 20 ng/mL e como insuficiência níveis de 21 a 29 ng/mL, dados corroborados pela Endocrine Society e pelo consenso da SBEM.
Segundo o documento brasileiro, “concentrações de 25-OH-Vit D acima de 30 ng/mL são desejáveis e devem ser as metas para populações de maior risco.
No entanto, como já citado acima, a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) publicou em seu site a mudança do valor de referência. Isso foi discutido em conjunto com a SBEM, emitiram um novo posicionamento, no qual se discute a mudança dos critérios para diagnóstico, estabelecendo que para indivíduos “saudáveis” os níveis ideais seriam > 20 ng/mL.
De 30 a 60 ng/mL é considerado para grupos de risco: indivíduos com quedas ou fraturas recorrentes, > 60 anos, gestantes e lactantes, com sarcopenia, raquitismo, osteomalácia, osteoporose e hiperparatireoidismo secundário, candidatos à cirurgia bariátrica, com doença inflamatória, autoimune e renal, obesidade, diabetes e câncer.
Os autores desse posicionamento consideraram ainda que apenas em níveis de 25-OH-Vit D < 10 ng/mL ou de 10 a 20 ng/mL haveria maior risco de remodelação óssea, promovendo maior risco de osteoporose, quedas e fraturas, justificando então a suplementação de vitamina D.
Segundo o consenso da ABRAN
Um estudo brasileiro com 132 pacientes em Minas Gerais encontrou 42% dos indivíduos “saudáveis,” insuficientes em 25-OH-Vit D e com elevação significativa de níveis de telopeptídeo C-terminal (CTx) sérico, indicando intensa remodelação óssea mesmo com níveis devitamina D entre 20 e 30 ng/mL (r ¼- 0,29; p ¼ 0,038),corroborado pelo estudo de Tangpricha et al.
Estudo recente de mortalidade cardiovascular, envolvendo 4.000 indivíduos, evidenciou redução de mortes para níveis de 25-OH-Vit D > 40 ng/mL em comparação a níveis inferiores a 17 ng/mL em um seguimento médio de 12 anos.
Para atletas e indivíduos que buscam performance/hipertrofia envolvidos em treinamentos de força, os níveis ótimos de vitamina D têm sido considerados > 40 ng/mL em diversos estudos, com atenção especial a atletas de treinamento indoor, como praticantes de ginástica, lutas e treino de força.
Quanto ao câncer, verifica-se 50% menor risco para câncer colorretal com níveis de 25-OH-Vit D > 33 ng/mL quando comparados a Vitamina D de 12 ng/mL, assim como em mulheres com níveis > 40 ng/mL, que apresentaram 67% menos risco para câncer em comparação a níveis < 20 ng/mL.
Esses, entre diversos outros recentes estudos publicados, demonstram o quão complexa é a situação de se definirem novos pontos de corte para níveis adequados de vitamina D em pessoas supostamente saudáveis, mas que buscam prevenção para doenças metabólicas e autoimunes e câncer ao longo da vida.
Nesse contexto, tendo em vista as diversas novas evidências de benefícios de níveis mais elevados de 25-OH-Vit D, incluindo alvos > 40 ng/mL, como em atletas de alto rendimento, desportistas saudáveis, e na prevenção de doenças crônicas, como autoimunes e câncer, o posicionamento da ABRAN é mostrado na tabela abaixo, adaptada para fins de diagnóstico e indicações de suplementação ante o benefício já conhecido.
Portanto, o diagnóstico deve ser buscado na população de alto risco, mas não se esquecendo de atletas, indivíduos saudáveis que buscam melhora da performance, da prevenção de câncer e doenças autoimunes, em que se objetivam níveis séricos > 30 a 40 ng/mL pelo menos.
Medidas preventivas como ajustes nutricionais, maior prática de exercício físico, incluindo atividades ao ar livre e maior exposição solar (não existindo contraindicações dermatológicas) devem ser amplamente estimuladas na população geral.
O diagnóstico deve ser estabelecido pela dosagem sanguínea de25-OH-Vit D, e o tratamento ideal é a suplementação da vitamina D 3, na forma oral, em cápsulas ou comprimidos, em uso diário ou semanal, conforme cada caso.
O posicionamento da ABRAN corrobora a opinião da Endocrine Society em buscar níveis de acima de 30 ng/mL,claramente associados à redução de quedas, fraturas e morbidade, além dos diversos benefícios extraósseos demonstrados recentemente na literatura.
Atenção especial deve ser dada a gestantes, lactantes, obesos e pacientes submetidos a cirurgia bariátrica.
Novos estudos com maior tempo de seguimento e randomizados, com doses mais elevadas diárias e em pacientes insuficientes de vitamina D são necessários para maior elucidação dos riscos/benefícios da suplementação de vitamina D em diversas situações de interesse clínico recente, especialmente relacionadas às ações extraesqueléticas da vitamina D.
Nós, contraindicamos a autosuplementação de vitamina D e o rastreio universal.
Autores:
Dr. Frederico Lobo – Médico Nutrólogo
Dr. Leandro Houat – Médico especialista em Medicina de família e comunidade
Rodrigo Lamonier – Nutricionista e profissional da educação física
Márcio José de Souza – Profissional de educação física e graduando em Nutrição
Referências: